Descoberta tenebrosa de um corvo

Voava atento, buscando no ar um som feminino de uma gralha. Mas não sei porque comecei a sentir uma sensação estranha, lá nas alturas estava sintonizando com alguma coisa da vida humana. 

E pra onde isso iria me levar?

               graaaaaakkk graaaaakk graaaaaakkk
            
               Descoberta tenebrosa do corvo

               Por: Roberto Zaghini



Ah as alturas, que bom voar, a brisa e as rajadas de vento em algum momento produzindo som e aquela sensação aumentando.



Quem voa não tem medo, então voei justamente na direção daquele som e da sensação que só aumentava.

Foi então que passei a ouvir um trecho de uma canção humana, bem baixinho, parecia dizer que, que.. a bruxa morreu. A bruxa morreu.  

Ótimo, pensei logo, então está tudo bem, vou em frente.
Um pássaro está sempre integrado com a natureza, e por sua vez é movido pela intuição, pressentimento, pela inteligência natural. 

Graaaaakkk graaaakkk.. mas o que está acontecendo?
Ao contrário de passar pelas paisagens, parece que elas é que estão passando, e se modificando... verdes campos, montanhas, cidades, automóveis, prédios, shoppings e novamente verdes campos, montanhas.. e avistei, bem ao pé de uma enorme pedra, uma casa de onde saía fumaça pela chaminé.

Por pura precaução, acionei com meu bico, o modo invisível. Ah assim é mais seguro. Entrei por uma brecha da janela e me ajeitei, num canto atrás de um vão.

Avistei uma figura humana, magra, de cabelos longos e desarrumados, feito palha, diante de um caldeirão. A figura mexia com uma vara de pau.

O cheiro parecia de chocolate, às vezes soltava uma gargalhada. Acima dela, mas ao lado haviam alguns morcegos, pendurados no telhado, de cabeça pra baixo.

Por um outro vão, do outro lado dessa sala, saíram duas pessoas, pelo menos parecia gente. Mas não se expressavam assim. 

Saíram gritando feito chipanzés e mostravam sinais com os braços e as mãos..  A figura que mexia o caldeirão soltou ainda mais gargalhadas.

Parecia que aqueles sujeitos não tinham mais a capacidade de falar na forma humana de expressão. Teriam se transformado em símios?

Passei a achar que aquela estranha figura era na realidade uma bruxa. E aquele cheiro de chocolate? De repente diante daqueles dois sujeitos chipanzés, ela  pega sua varinha e toca em dois morcegos.



Sai uma neblina de onde eles estavam. Quando se dissipou, surgiram duas figuras humanas de capa preta.

Nesse instante a bruxa de cabelos atrapalhados, soltou mais uma gargalhada..

Erguendo aquela varinha de dentro do caldeirão, na ponta havia uma concha, cheia daquela calda com cheiro de chocolate. 

Ela aproximou da boca de cada um dos ex-morcegos, e cada um tomou um gole. Deveria ser uma forma de adocicar um pouco o veneno que carregavam.

Deram um sorriso irônico, mostrando seus dentes laterais mais alongados, como vampiros.




Ela então sinalizou para que saíssem, na direção da porta. Os outros dois homens chipanzés gritavam ainda mais e gesticulavam.

Aí a intuição passou a me avisar.. eram portadores do ódio e da guerra, e lá naquele recinto haviam ainda milhares de outros morcegos, aguardando seu momento de transformação.

Pensei,.. mas como? eles então vão atacar as pessoas por aí?  E a resposta veio imediatamente: Eles não vieram para atacar, ou invadir, mas para se juntar ao sentimento semelhante, como convidados pelo ódio de cada um.

Assim partiram pra algum lugar, e deve haver vários onde por hora se espalha muito ódio.

Aquela figura bruxa bem que olhou pra trás várias vezes bem na minha direção, mas não conseguia me enxergar. 

Deu até pra notar que tinha um bigode, o coisa feia, queixo longo..

Achei melhor não abusar muito da minha invisibilidade, e resolvi sair daquele lugar, pela mesma brecha de onde havia entrado.

Graaaaakkkk graaaaakkk,  Ah chega, essa descoberta foi tenebrosa de mais pra um só dia.

Melhor buscar a brisa, o vento, as alturas. Principalmente o verde, queria vencer logo aquelas paisagens e retornar ao meu lugar.


Mas o que é isso? parece que agora todo mundo vai ficar aí me acompanhando, pensando o que? Sou corvo, não sou novela, eu heim...

Graaaaakkk graaaaakkk  graaaakkkk
Ei, gralha gostosa, to chegando,...

Ainda era uma tarde, uma tarde de sol. O pássaro voou despreocupado para seu lugar.

Não tinha nada com isso, nada a ver com o ódio humano e suas variações tenebrosas.

O sol aquece a natureza, traz vida.
Em meio a tanto ódio, é luz que transmite esperança.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Paranapiacaba no pedal

Serra do Mar: visitando o último morador da zona sul com Caminhos e Trilhas!

Pedalando ao Santuário Aparecida do Norte !